segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

JORNAL NOVA VOZ - ENTREVISTA COM HENRIQUE RESENDE

Henrique Resende conta sobre sua arte e a experiência de ‘estar’ Secretário de Cultura
As pinturas, esculturas e monumentos (que se espalham por inúmeras cidades) que Henrique Resende vem realizando são criações em diversos materiais e dimensões, sempre traduzindo a contemporaneidade e a vontade de tocar os olhos e as almas de quem às observa.
Sua formação artística teve início em 1991, no Rio de Janeiro, onde estudou na Escola de Artes Visuais com vários mestres da pintura brasileira. No mesmo período, dedicou-se também às ilustrações e projetos de designer gráfico para empresas como Petrobrás, Mc D’onalds, Macrofarma, Interunion, Sebrae, Ernst & Young, Smitehkline & Beechan, entre outras, através de agências de propaganda do Rio de Janeiro. Em 1991 cursou arte contemporânea em Londres e Amsterdã. Na época, vendeu seu carro (que havia comprado a pouco) para ajudar a pagar seus estudos. Mas, segundo o artista, valeu muito à pena:
- Minha concepção de arte mudou muito, entendi que a arte não é simplesmente um barato pessoal. A arte é linguagem e necessita, através da imagem, tocar as pessoas e fazer pensar, e para isso, é necessário que o artista entenda a justeza da forma e os mecanismos da engenharia visual”.
Em 1999, realizou desenhos para o filme (longa metragem) nacional Os Carvoeiros, do mesmo diretor de Tropa de Elite. No mesmo período dedicou-se plenamente as criações escultóricas. Na Itália, em 2004, o artista aprofundou-se em escultura na Arco Arte, cidade de Carrara, berço e principal centro da tradição estatuária.
Henrique Resende é o autor do conhecido Monumento à Dercy Gonçalves de quem também pintou diversos retratos que a homenagearam em São Paulo, somando-se às inúmeras exposições do artista.
Abaixo ele fala mais do seu trabalho e de sua visão do mundo:
Nova Voz - Desde quando foi possível perceber que você tinha talento artístico?
Henrique Resende - Quando eu tinha por volta dos 5 anos de idade ficava maravilhado quando minha mãe desembrulhava os pães pela manhã, aquele papel tosco e grande. Não queria os pães e sim desenhar no suporte meio amassado. Naquela época, mesmo antes de aprender a ler e escrever, criava estórias em quadrinhos e ditava para minha mãe escrever. Estas foram as minhas primeiras experiências.
Nova Voz - A partir daí, ou seja, da consciência de que tinha habilidades especiais para as artes plásticas, o que fez visando trabalhar este talento? (fale também do apoio que sua família lhe deu)
Henrique Resende - As coisas foram acontecendo naturalmente. Nada foi repentino. A arte, para mim, sempre foi uma necessidade interna. Desde criança a minha paixão era o desenho. Por volta dos 12 anos eu comecei a ler sobre os grandes gênios da pintura. Fui crescendo e esta paixão cresceu junto. Meus pais sempre apoiaram muito, criando um ambiente permissivo para minhas viagens criativas. Meus pais sempre tiveram muito orgulho das minhas habilidades com o desenho.
Nova Voz - Dizem que os artistas mudam de fase, assim como os passarinhos, mudam de penas. Houve um momento em que você tinha enorme admiração por Salvador Dali. O que o levou a mudar de opinião sobre ele?
H.R. - Gostar de Salvador Dalí é natural para todo artista iniciante. Acontece que, embora com um talento indiscutível, o Dalí deixou de “pintar arte” para “pintar espetáculos”. Quando surgiu o surrealismo e o Dalí passou a fazer parte do movimento ele era muito melhor. Pintava pequenas telas. Era como se essas telas falassem de coisas íntimas, guardadas no subconsciente. Suas imagens estavam em consonância com a proposta. Mas depois, deixou de ser verdadeiro consigo mesmo para produzir algo que chamasse mais a atenção de um público pouco preparado. Existem pintores surrealistas muito melhores que o Dalí, como por exemplo, o Magritte. Mas para apreciar uma boa pintura, o público não precisa estudar ou ter grandes conhecimentos de arte. Basta acostumar os olhos e a alma às várias manifestações e estilos, olhando não só o Dali, mas também grandes gênios como Odilon Redon e Gustav Klint. Com os olhos acostumados, podemos perceber claramente uma arte de boa ou de má qualidade.
Nova Voz - Qual é a conexão entre sua arte e o município de Itaocara? Em que nossa cidade lhe influencia?
H.R. - Meus trabalhos carregam uma espécie de “sotaque” do interior. Não tanto pela temática, meus quadros e esculturas deixam perceber uma espécie de poética caipira. Na verdade é algo que realmente busco. Quero refletir alguma coisa realmente verdadeira. E a verdade na arte não é apenas uma verdade que reside no interior do artista, mas o que está no ar e ao redor dele. Não que queira realizar um trabalho regionalista. Mas é no meio mais familiar que descobrimos coisas realmente singulares e ao mesmo tempo universais e que toquem em coisas mais amplas como a condição humana.
Nova Voz - Você é também um artista engajado no movimento cultural da cidade. É membro fundador da Associação Itaocarense de Artistas, desde o início participa do Teatro Rock Hudson, tem escola de pintura. Qual é a relevância dessa atividade?
H.R. - É importante trabalharmos para que a vida seja levada, não apenas prosaicamente, mas poeticamente e de maneira mais leve. Coisas simples devem ser apreciadas, e quanto mais se conhece, mais se aprecia. Tudo o que diz respeito às raízes, às manifestações espontâneas, às realizações do pensamento e do espírito humano me interessam e de alguma forma fazem parte da minha vida.
Nova Voz - Entre suas obras, haveria alguma que se destaca individualmente? Citando um exemplo, pintar o teto da Igreja de São José de Leonissa, foi um marco em sua carreira?
H.R. - Há trabalhos que realizei que gosto mais, outros menos e ainda há os que não gosto. Quanto ao teto da Igreja Matriz de Itaocara, foi uma experiência fascinante pintá-lo. Foram dois meses e meio naquele trabalho. Pude conhecer melhor a vida de São José de Leonissa, o padroeiro de Itaocara, que é a única cidade do Brasil que tem como padroeiro este Santo italiano. Para criar a pintura, busquei levar em conta a arquitetura da Igreja, para não virar apenas um adorno de superfície. A cena principal mostra o momento em que um anjo enviado por Deus salva São José de Leonissa da morte. Ele havia sido condenado a “pena do gancho” pelo Sultão que não queria ouvir as pregações do Santo. A pena consistia em pendurar o condenado num poste por dois ganchos, um cravado em uma das mãos e o outro num dos pés e, embaixo, uma fogueira. Escolhi retratar esta passagem pelo grande impacto visual que ela poderia ocasionar.
Nova Voz - Tenho certeza de que se há algo que satisfaz o artista, é expor publicamente sua obra. Nessa perspectiva, que importância dá ao trevo de Itaocara, ao busto de Patápio Silva e a estátua do Frei Thomas, monumentos perenes na vida de nossa cidade?
H.R. - Para que exista a arte são necessárias três coisas: O artista, a obra e o público. Nos espaços convencionais dedicados à arte, o público acaba sendo restrito e muitas vezes elitizado. Por isso acho muito importante obras de arte em espaços abertos e públicos. É uma honra muito grande ter alguns trabalhos meus espalhados pela cidade em que nasci.
Nova Voz - Além de artista, você é também Secretário Municipal de Cultura. Suas duas ciências bem diferentes, uma cuja relação é totalmente abstrata (a arte) e outra extremamente concreta (o governo). Como é essa afinidade no cotidiano?
H.R. - Para que se realize plenamente, qualquer atividade humana, necessita tanto da objetividade quanto da subjetividade. Como artista a subjetividade se apresenta de maneira muito mais presente e intensa, embora as percepções, emoções e conceitos devem sempre passar por um filtro crítico e objetivo. “Sou” artista e “estou” Secretário. O “ser” acaba tendo um peso muito maior e se reflete em todas as outras atividades que eu possa desempenhar.
Nova Voz - Apesar de estar trabalhando no governo desde a gestão Manoel Faria, com Alcione Araújo é que se tornou Secretário. Como é essa experiência?
H.R. Vou buscando contribuir de alguma forma para um maior fortalecimento da cultura e da melhoria da cidade que nasci sem escolher, mas que pude escolher para viver. Resgatar raízes e vocações é atributo da recém criada Secretaria Municipal de Cultura, implantada pelo Prefeito Alcione Araújo e num processo que teve início no governo de Manoel Faria. Tenho orgulho de estar participando de conquistas e avanços nessa área.
Nova Voz - O que é mais difícil, ser Artista ou ser Secretário?
H.R. - Mesmo quando estou desempenhando meu papel de Secretário, não deixo de ser artista. A arte é muito natural para mim. Arte não é e nunca foi uma opção. Ela é uma necessidade interna. Criar todos os dias é uma necessidade assim como é comer todos os dias. Mas confesso que a rotina a frente da Secretaria nem sempre me permite satisfazer essa necessidade de criar, embora seja prazeroso participar de um governo que se preocupa com a cultura.
Nova Voz - A Dercy Gonçalves é alguém importante em sua carreira. Fale um pouco dela e do monumento que esculpiu da famosa artista brasileira?
H.R. Dercy foi um presente maravilhoso pra mim. E veio num momento fascinante e meio como “atração”. Explico: sempre gostei muito de desenhar idosos, no colégio era assim e quem estudou comigo sabe disso. O tempo passou e continuei produzindo e retratando idosos. Em 2002 iniciei uma série de pinturas em que retratava velhinhos de um asilo. No ano seguinte, ainda produzindo trabalhos dessa série, surge a Dercy e a encomenda do monumento. Pude então conviver um pouco com a velhinha mais fantástica que poderia surgir. Dercy foi uma força da natureza. Um furacão de paixão pela vida. Um exemplo de dignidade e transparência. E foi a transparência que busquei retratar e expressar no monumento, uma escultura de quatro metros de altura e aproximadamente dez toneladas que se encontra na cidade natal da atriz. Com a realização desse monumento, algumas questões começaram a me interessar mais, como por exemplo, a leveza da forma escultórica e a relação da forma com o seu entorno. Então resolvi me aprofundar mais em escultura e, com os recursos que recebi pelo monumento, fui para a Itália (cidade de Carrara) estudar na Arco Arte com o artista Boutros Romhein.
Nova Voz - Como leigo atualmente acredito que a arte perdeu sua beleza e a busca pela reflexão. Há muita exibição de coisas feias e incompreensíveis, do tipo pôr um vaso sanitário no meio de uma exibição, dizendo que é arte. Qual é o motivo disso estar acontecendo?
H.R. Na arte, a beleza é uma experiência subjetiva. Uma experiência nossa com a obra. Se olharmos Guernica, de Picasso, não é um trabalho para agradar os olhos, muito menos para agradar a alma. É uma obra para revirar o estômago e fazer pensar nas atrocidades da guerra. A beleza apenas no sentido formal não explica e muito menos é necessária na arte. Ela pode ou não existir no mundo da arte. O que é necessário é a força da imagem, é a intensidade com que a imagem toca e de alguma forma muda a pessoa. Um quadro não pode ser apenas uma decoração de parede. Mas o que vemos hoje com muita freqüência é vazio e sem força. O trabalho pode ser feio sim, desde que a imagem seja forte e competente e nos faça refletir.
Henrique Resende fala de personalidades do município de Itaocara
José Carlos Raposo
H.R. Um grande amigo. Um ser humano generoso que tive o privilégio de conhecer na adolescência e continuar uma profunda amizade durante um longo tempo, até a sua repentina morte. Um artista sensível e inteligente que utilizou da fotografia, do desenho e da pintura para expressar a sua personalidade gentil, detalhista e algumas vezes angustiada.
Manoel Júnior
H.R. Amigo e companheiro de trabalho. Carnavalesco e artista gráfico que agora vem desenvolvendo outra linguagem fascinante: a tatuagem corporal.
Wagner
H.R. Amigo e companheiro de trabalho. Para tudo busca uma solução competente e rápida. Gosta e domina a “parte burocrática” dos assuntos que se envolve.
Rock Hudson
H.R. Uma perda irreparável, tanto como amigo quanto como artista. Ator, escritor e diretor que com toda certeza deixou sua marca na história de Itaocara e será para sempre lembrado na região.
Faria Souto
H.R. Uma das poucas pessoas que quanto mais o tempo passa, mais é lembrado. Graças a ele temos tantas belezas na cidade. Pessoa muito culta que com sensibilidade percebeu a importância de se criar monumentos singulares e preservar uma grande espaço da beira rio como área de lazer. Morreu logo após a sua cidade completar 120 anos de emancipação.
Nilza Viégas
H.R. Escritora e pintora é também pessoa que deve sempre ser lembrada. Amiga, dividiu ótimos momentos de conversa comigo e com o José Carlos Raposo. Tive a felicidade de poder realizar algumas capas de livros seus.
Kleber Leite
H.R. Presidente da Academia Itaocarense de Letras, é um abnegado e apaixonado pela literatura, levando através da revista BALI - Letras Itaocarenses, uma leitura de qualidade para todo o Brasil e para várias partes do mundo.
Arivaldo
H.R. Um jovem artista autodidata e talentoso. Sempre educado e gentil, certamente vem imprimindo sua marca na área da pintura e do desenho em Itaocara.

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