domingo, 8 de abril de 2012

Patápio Silva - A incrível trajetória do flautista Itaocarense que se tornou um mito da música brasileira

“Quando tocava o saudoso mulato, transfigurava-se, quintessenciava-se, ficava ‘branco’, tão branco que as plateias de alguns estados onde ainda hoje há infelizmente o preconceito de cor não viam o pigmento de sua epiderme, porque ele, na grandeza insuperável de sua estesia, sofria o mesmo fenômeno por que passaram Cruz e Sousa, Patrocínio e Rebouças – o halo de luz argênteo de que se cercam os predestinados, os eleitos da sorte, os tocados pela mão invisível e magnética da inspiração.” 
(Revista O Rio Musical, 24 de junho de 1922, em reportagem sobre Patápio Silva 15 anos após sua morte).
Embora tenha vivido apenas 26 anos, Patápio Silva (1880- 1907) é considerado um dos maiores flautistas brasileiros de todos os tempos. Após sobressair-se como aluno do prestigioso Instituto Nacional de Música, atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tornou-se um concertista habituado a receber aplausos consagradores onde quer que se apresentasse, incluindo os palcos mais sofisticados do país. Patápio obteve grande reconhecimento não apenas como instrumentista, mas também como compositor – várias de suas peças são executadas com frequência até hoje. Sua importância para a história da música brasileira se amplia pelo fato de ele ter sido um dos pioneiros da indústria fonográfica nacional, tornando-se o primeiro instrumentista solo a realizar gravações no país.
A morte precoce só fez reforçar o mito do menino pobre e mestiço que saiu do interior para brilhar no Rio de Janeiro, capital e centro cultural do país à época.
Mesmo com a permanência de sua obra e o encanto provocado pela biografia repleta de reviravoltas, é raro encontrar hoje quem já tenha ouvido falar de Patápio, mesmo entre músicos. As exceções normalmente são flautistas, que o veneram como gênio do métier – sempre que desponta um novo talento, mesmo um século depois de sua morte, a lembrança de Patápio logo vem à tona. Altamiro Carrilho, considerado o principal nome brasileiro do instrumento na segunda metade do século XX, o define como “pai de todos os flautistas brasileiros da atualidade”.
Em uma sociedade recém-saída da escravidão e fortemente marcada pelo preconceito racial, como um flautista mulato conseguiu encontrar brechas para sua ascensão social? De que forma enfrentou as situações em que o preconceito se manifestou, aberta ou veladamente? Até que ponto sua habilidade em tecer alianças – comprovada, por exemplo, por sua filiação à maçonaria – foi decisiva para o sucesso que alcançou?
Em 1904, a ascensão social de Patápio esbarrou em um limite. Com a morte de seu mestre Augusto Duque Estrada Méier, ele esperava ser nomeado o novo titular da cadeira de flauta do Instituto Nacional de Música, mas foi preterido em benefício de outro ex-aluno do curso, Pedro de Assis, com trajetória menos brilhante como músico. Que mensagem estaria implícita nesse fato? A de que um mulato poderia até entreter a elite, desde que não tivesse a pretensão de ensiná-la? Pedro de Assis teria sido escolhido por ser branco? Havia um grande número de músicos mulatos e negros dedicados à música popular no Rio de Janeiro da época. O diferencial de Patápio foi ter transitado com sucesso – e não apenas como instrumentista, mas também como compositor – pela seara da música erudita, típico produto da sofisticação europeia. Como ele conseguiu chegar lá é a fascinante história contada neste livro.

Patápio Silva nasceu no dia 22 de outubro de 1880 na freguesia de São José de Leonissa, pertencente ao município de São Fidélis, atual cidade de Itaocara, região noroeste do estado do Rio de Janeiro. Primogênito da negra Amélia Amália de Medina Silva e do imigrante português Bruno José da Silva, o menino foi batizado aos três meses de idade, conforme registro na Paróquia de São José de Leonissa.
Após seis dias de agonia em um quarto do Hotel do Comércio, onde se hospedara para realizar um espetáculo em Florianópolis, o flautista Patápio Silva, 26 anos, morreu pouco antes das duas horas da madrugada de 24 de abril de 1907. A notícia se espalhou ao amanhecer e comoveu a cidade, que raramente tinha a oportunidade de presenciar espetáculos de expressão nacional e esperava ansiosamente pelo concerto.
No dia seguinte, os jornais dos grandes centros reproduziram os telegramas recebidos da capital catarinense. A perda do jovem e famoso flautista seria lamentada por muitos anos, como sintetizou o escritor Lima Barreto em
 Clara dos Anjos:
De uns tempos a esta parte, porém, a flauta caiu de importância, e só um único flautista dos nossos dias conseguiu, por instantes, reabilitar o mavioso instrumento – delícia, que foi, dos nossos pais e avós.
Quero falar do Patápio Silva. Com a morte dele a flauta voltou a ocupar um lugar secundário como instrumento musical, a que os doutores em música, quer executantes, quer os críticos eruditos, não dão nenhuma importância. Voltou a ser novamente plebeu.

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Embora tenha vivido apenas 26 anos, Patápio Silva (1880-1907) é considerado um dos maiores flautistas brasileiros de todos os tempos. Nascido em Itaocara (RJ) e criado em Cataguases (MG), ele se sobressaiu como aluno do prestigioso Instituto Nacional de Música, atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tornou-se um concertista habituado a receber aplausos consagradores onde quer que se apresentasse, incluindo os palcos mais sofisticados do país. Patápio obteve grande reconhecimento não apenas como instrumentista, mas também como compositor – várias de suas peças são executadas com frequência até hoje. Sua importância para a história da música brasileira se amplia pelo fato de ele ter sido um dos pioneiros da indústria fonográfica nacional, tornando-se o primeiro instrumentista solo a realizar gravações no país.
A morte precoce e misteriosa em Florianópolis, durante uma excursão de Patápio pelo Sul do País, só fez reforçar o mito do menino pobre e mestiço que saiu do interior para brilhar no Rio de Janeiro, capital e centro cultural do país à época. Em uma sociedade recém-saída da escravidão e fortemente marcada pelo preconceito racial, como um flautista mulato conseguiu encontrar brechas para sua ascensão social? De que forma enfrentou as situações em que o preconceito se manifestou, aberta ou veladamente? Havia um grande número de músicos mulatos e negros dedicados à música popular na época. O diferencial de Patápio foi ter transitado com sucesso – e não apenas como instrumentista, mas também como compositor – pela seara da música erudita, típico produto da sofisticação europeia. Como ele conseguiu chegar lá é a fascinante história contada no livro.
O jornalista Maurício Oliveira deparou-se pela primeira vez com o curioso nome Patápio em 1998, quando folheava jornais antigos na Biblioteca Pública de Santa Catarina. Procurava por outros temas, mas não pôde ignorar as manchetes sobre a morte de um famoso flautista na pequena Florianópolis de 1907. Ao voltar no tempo como só os jornais permitem fazer, Maurício constatou o quanto a capital catarinense aguardava com ansiedade a apresentação de Patápio. Escreveu então a sua primeira reportagem sobre a trajetória do flautista e guardou a ideia de investigá-la a fundo em algum momento do futuro. A oportunidade chegaria em 2006, com o ingresso no mestrado em História Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina. O livro é resultado de dois anos de pesquisas, realizadas em quatro diferentes estados brasileiros, que resgatam uma das mais importantes figuras da música brasileira no início do século XX e reconstitui passagens marcantes de sua biografia – os anos de estudo no Instituto Nacional de Música, o inusitado caso da “flauta encantada” e a história de amor que pode tê-lo levado à morte.
Mais do que um músico talentoso, Patápio foi um típico herói brasileiro, ao mesmo tempo agente e vítima das profundas transformações pelas quais o Brasil passou na virada do século XIX para o século XX.
Quero falar do Patápio Silva. Com a morte dele a flauta voltou a ocupar um lugar secundário como instrumento musical, a que os doutores em música, quer executantes, quer os críticos eruditos, não dão nenhuma importância. Voltou a ser novamente plebeu. (Lima Barreto em Clara dos Anjos)
De quando em vez meu pai aproximava-se do gramofone, dava-lhe corda, punha-lhe no prato um disco, cuja melodia, fanhosa e metálica, pouco depois enchia o ambiente. O famoso flautista brasileiro Patápio Silva interpretava, numa chapa da Casa Edison, do Rio de Janeiro, a Serenata de Schubert, música que provocava em mim uma dessas inexplicáveis tristezas de apertar o peito (Érico Veríssimo em Solo de Clarineta)

O AUTOR 
Formado em jornalismo pela UFSC, Maurício Oliveira, 39 anos, é carioca radicado em Florianópolis. Foi repórter dos jornais O Estado, A Notícia e da revista Empreendedor, em Santa Catarina, da Gazeta Mercantil e da revista Veja, em São Paulo. Atuando desde 2003 como freelancer, tem colaborado com regularidade para veículos como Exame, Superinteressante, O Estado de São Paulo e Valor Econômico, além de prestar serviços para agências de publicidade e editoras. Publicou os livros Chacina em Anhatomirim (Terceiro Milênio, 1995), Ponte Hercílio Luz – Tragédia Anunciada (Insular, 1996, 2a ed. 2011), Na Mira dos Headhunters (Campus, 2001), História da Educação em Santa Catarina (Letras Brasileiras, 2010) e Manual do Frila (Contexto, 2010). Amores Proibidos na História do Brasil também será lançado em fevereiro, pela Editora Contexto.

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